ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: lições da prática. Brasília: UNESCO, 2008. 212 p.
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A ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS EADULTOS NA LEGISLAÇÃO E NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRAS
Promover com sucesso a alfabetização dos jovens e adultos e superar o analfabetismo são desafios que o Brasil ainda está distante de equacionar, e constituem temas que os governos e a sociedade devem enfrentar permanentemente. Não necessitam, portanto, de datas festivas ou iniciativas excepcionais para compor o rol de prioridades das políticas públicas e das preocupações dos educadores.
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Diante da existência de quase 800 milhões de jovens e adultos no mundo que são analfabetos (dois terços dos quais são mulheres), a 56ª sessão da Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2001 adotou a resolução que proclamou a Década da Alfabetização 2003-2012, estabelecendo no ano seguinte um Plano de Ação cuja coordenação foi entregue à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
O Plano adota uma visão renovada da alfabetização, enfocando as metas do Fórum Mundial de Educação (Dacar, Senegal, 2000) relativas à satisfação das necessidades de aprendizagem dos jovens e adultos, que incluem a redução do analfabetismo em 50% e a eliminação das disparidades entre mulheres e homens no acesso à educação básica de qualidade e às oportunidades de educação ao longo da vida.
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Na V Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada em 1997 em Hamburgo, na Alemanha, 1.500 representantes de 170 países assumiram compromissos para fazer valer o direito dos cidadãos de todo o planeta à aprendizagem ao longo da vida, concebida para além da escolarização ou da educação formal, incluindo as situações de aprendizagem informais presentes nas sociedades contemporâneas. A Declaração de Hamburgo atribui à educação de jovens e adultos o objetivo de desenvolver a autonomia e o sentido de responsabilidade das pessoas e comunidades para enfrentar as rápidas transformações socioeconômicas e culturais por quais passa o mundo atual, mediante a difusão de uma cultura de paz e democracia promotora da coexistência tolerante e da participação criativa e consciente dos cidadãos [...].
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UM POUCO DA HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL
A difusão da alfabetização no Brasil ocorreu apenas no transcorrer do século XX, acompanhando a constituição tardia do sistema público de ensino. Até fins do século XIX, as oportunidades de escolarização eram muito restritas, acessíveis quase que somente às elites proprietárias e aos homens livres das vilas e cidades, minoria da população [...].
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As primeiras políticas públicas nacionais destinadas à instrução dos jovens e adultos foram implementadas a partir de 1947, quando se estruturou o Serviço de Educação de Adultos do Ministério da Educação e teve início a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA).
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No início dos anos 60, a alfabetização de adultos compôs as estratégias de ampliação das bases eleitorais e de sustentação política das reformas que o governo pretendia realizar. A efervescência político-social do período compôs o cenário propício à experimentação de novas práticas de alfabetização e animação sociocultural desenvolvidas pelos movimentos de educação e cultura popular, que em sua maioria adotaram a filosofia e o método de alfabetização proposto por Paulo Freire.
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Paulo Freire criou uma proposta para a alfabetização de adultos que inspira até os dias de hoje diversos programas de alfabetização e educação popular. Sua compreensão inovadora da problemática educacional brasileira interpretava o analfabetismo como produto de estruturas sociais desiguais e, portanto, efeito e não como causa da pobreza. Freire propunha que os processos educativos operassem no sentido de transformar a realidade, e a alfabetização era vista como uma ferramenta propícia ao exame crítico e à superação dos problemas que afetavam as pessoas e comunidades. Sua pedagogia fundada nos princípios de liberdade, da compreensão da realidade e da participação favorecia a conscientização das pessoas sobre as estruturas sociais e os modos de dominação a que estavam submetidos, alinhando-se a projetos políticos emergentes na época.
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O método [Paulo Freire] vinculava a prática alfabetizadora ao exame de problemáticas que impediam ou dificultavam o acesso aos bens da própria cultura e à participação política; servia como meio para desvelar processos de opressão e dominação no mundo do trabalho e desigualdades das condições de vida dos brasileiros.
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A escolarização de jovens e adultos ganhou a feição de ensino supletivo, instituído pela reforma do ensino de 1971, mesmo ano em que teve início a campanha denominada Movimento Brasileiro de Alfabetização, que ficou conhecida pela sigla Mobral. Com um funcionamento muito centralizado, o Mobral espraiou-se por todo o país, mas não cumpriu sua promessa de erradicar o analfabetismo durante aquela década e, em 1985, na transição à democracia, acabou sendo extinto e substituído pela Fundação Educar.
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Comunidades eclesiais de base, associações de moradores, organizações de trabalhadores urbanos e rurais e outros agrupamentos orientados por valores de justiça e eqüidade, e engajados na reconstrução da democracia, desenvolveram ações educativas que incluíam a alfabetização de jovens e adultos. As práticas educativas desses agentes se inscreveram na corrente que ficou conhecida como educação popular, filiada às concepções freireanas. A riqueza do legado construído nessa época influenciou, na transição para a democracia, tanto a ampliação de direitos sociais e políticos como o desenho de programas de alfabetização desenvolvidos em parceria entre governos e organismos civis.
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Na década de 1990, o sistema das Nações Unidas realizou uma série de conferências relativas a temas sociais. A primeira delas foi a Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, Tailândia, que reuniu 155 governos e aprovou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem. Nos dez anos seguintes, um comitê de organismos da ONU, liderados pela UNESCO, concentrou a ajuda internacional em nove países populosos com índices elevados de analfabetismo, rol em que o Brasil aparece ao lado de Bangladesh, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão.
As políticas educacionais dos anos 90 não corresponderam às expectativas geradas pela nova Constituição. Frente à reforma do Estado e às restrições ao gasto público impostas pelo ajuste da economia nacional às orientações neoliberais, as políticas públicas da década de 1990 priorizaram a universalização do acesso das crianças e adolescentes ao ensino fundamental. Outros níveis e modalidades de ensino, entre os quais a educação de jovens e adultos, foram relegados a um plano secundário na agenda das políticas educativas.
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No início do terceiro milênio, a alfabetização de jovens e adultos adquiriu nova posição na agenda das políticas nacionais, com o lançamento, em 2003, do Programa Brasil Alfabetizado e a progressiva inclusão da modalidade no Fundo de Financiamento da Educação Básica (FUNDEB), a partir de 2007.
LIÇÕES APRENDIDAS
São muitas as lições aprendidas ao longo dessa breve história. Uma delas se refere à necessidade de cooperação entre as esferas de governo. Em um país continental, com grandes desigualdades socioeconômicas e territoriais, a colaboração da União é imprescindível para suprir os estados e municípios com menores recursos (onde os desafios da alfabetização são maiores) dos meios financeiros e apoio técnicopedagógico necessários ao desenvolvimento das ações de alfabetização e educação básica.
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Outra lição relaciona-se às características dos programas de alfabetização e escolarização. As experiências nacional e internacional de mais de meio século demonstram que campanhas que apelam à urgência da alfabetização em massa podem, em um primeiro momento, sensibilizar a sociedade e mobilizar a demanda dos jovens e adultos, mas salvo raras exceções, não produzem resultados efetivos e duradouros.
UM DESAFIO DE MILHÕES
Os desafios da alfabetização e educação elementar dos jovens e adultos no Brasil ainda são imensos: em 2006 mais de 65 milhões de jovens e adultos brasileiros tinham escolaridade inferior ao ensino fundamental, e o país possuía, ainda, 14,3 milhões de analfabetos absolutos, a maior parte dos quais pertencentes aos grupos com idades mais avançadas.
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Refletindo as desigualdades socioeconômicas e territoriais, as taxas de analfabetismo continuam a ser bem mais elevadas nas zonas rurais do que nas áreas urbanas, nas regiões Nordeste e Norte do que no centro-sul do país, e afetam principalmente as populações mais pobres e os afrodescendentes.
Assim, o Brasil continua a ser o país latino-americano que possui o maior contingente de analfabetos da região, apresentando taxas de analfabetismo bem mais elevadas que países com perfil educacional ou nível de desenvolvimento econômico similares.
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O DIREITO À ALFABETIZAÇÃO NA LEGISLAÇÃO NACIONAL
A proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, é um marco na história da construção do direito à educação, refletindo o consenso internacional com respeito à prerrogativa inalienável de todo cidadão de ter acesso ao ensino elementar.
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Para que o direito à educação seja garantido pelo poder público e possa ser exigido pelos cidadãos, é necessária sua inscrição em legislação nacional. A Constituição Federal de 1988 atendeu aos reclamos da sociedade e reconheceu o direito dos jovens e adultos ao ensino fundamental, obrigando os poderes públicos a sua oferta gratuita.
O direito das pessoas jovens e adultas ao ensino foi reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB), na qual foi inscrito como modalidade da educação básica, apropriada às necessidades e condições peculiares desse grupo.
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[...] A Constituição e a LDB atribuem responsabilidades específicas à União, aos estados e aos municípios, determinando que cada instância organize o respectivo sistema de ensino em regime de colaboração com as demais, cooperando entre si para garantir o ensino obrigatório. A alfabetização e o ensino fundamental de jovens e adultos compõem esse campo de responsabilidades compartilhadas que exigem a colaboração dos municípios, estados e da União, cabendo ao governo federal as funções de coordenação das políticas nacionais, de articulação e apoio técnico e financeiro às demais instâncias.
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS RECENTES DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Ao longo da história brasileira, o governo federal foi a instância que concebeu, financiou e coordenou a maior parte das campanhas e programas da alfabetização dos jovens e adultos, para as quais muitas organizações sociais também contribuíram de modo significativo.
[...] uma das características importantes das políticas públicas de educação de jovens e adultos é sua orientação em direção a uma maior centralização no âmbito federal ou a tendência à descentralização em direção aos governos estaduais e municipais. Outro aspecto relevante são os vínculos e a distribuição de responsabilidades entre os governos e as organizações sociais nesse campo educativo.
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POLÍTICAS E PROGRAMAS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
No centro da atual política educacional do governo federal encontra-se o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), formado por um conjunto heterogêneo de medidas que visam reverter o baixo desempenho do sistema de ensino básico diagnosticado pelo Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB), que combina informações sobre o fluxo e rendimento escolar com a proficiência demonstrada nos exames nacionais padronizados.
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O FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
A amplitude e o impacto das políticas públicas de alfabetização e educação escolar de jovens e adultos são fortemente condicionados pelo financiamento atribuído a esse ensino. A oferta reduzida e a precária qualidade da educação de jovens e adultos no Brasil podem ser explicadas, em grande medida, pelo fato de que em nenhum momento da história da educação brasileira a modalidade recebeu aporte financeiro significativo, embora em alguns períodos as políticas para o setor tenham se beneficiado de recursos vinculados ou fonte própria de financiamento.
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RESPONSABILIDADE PÚBLICA E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
Embora configurem âmbito de responsabilidade pública, do qual não podem furtar-se os governos, a alfabetização e a educação básica de jovens e adultos são territórios que atraem a participação da sociedade organizada em quase todo o mundo. No caso brasileiro, muitas iniciativas de alfabetização e escolarização de jovens e adultos resultam da auto-organização das comunidades para satisfazer necessidades formativas que os serviços governamentais não contemplam ou o fazem de modo insatisfatório, devido ao viés escolarizado, homogêneo e pouco flexível, aos quais muitos grupos populares têm dificuldade de se adaptar, preferindo os processos formativos conduzidos por seus próprios membros.
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[...] As parcerias configuram uma estratégia duplamente conveniente ao poder público, pois atende às demandas de participação dos movimentos e organizações sociais, ao mesmo tempo que permite desonerar a máquina pública de encargos permanentes, como a contratação de pessoal docente [...].
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ALICERCES E HORIZONTES
[os] alicerces [da educação de jovens e adultos] foram construídos como a base jurídica de reconhecimento dos direitos educativos e de responsabilização do poder público na provisão gratuita de oportunidades educacionais de qualidade para todos.
Entre os pilares que sustentam as políticas de educação de jovens e adultos no país estão, de um lado, os sistemas públicos descentralizados de ensino e, de outro, as organizações e redes da sociedade civil dedicadas à temática. Entre erros e acertos, as experiências do passado deixaram aprendizagens que as políticas educacionais do presente devem incorporar.
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PARA QUEM SE DESTINAM OS PROGRAMAS DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS?
Os programas de alfabetização de jovens e adultos, sua organização e funcionamento, seus conteúdos e abordagens metodológicas devem estar ancorados nas necessidades dos sujeitos que dela tomam parte. Apesar de não terem domínio da leitura e da escrita, jovens e adultos não alfabetizados vivem num mundo regulado pela linguagem escrita e, para lidar com variadas situações em que essa linguagem está presente em seu dia-a-dia, criam formas alternativas. Diferenciam-se, tanto no que diz respeito aos ciclos de vida (juventude, maturidade, velhice), às identidades (de gênero, de geração, étnica, cultural), às suas disposições e necessidades de aprendizagem, como em relação às representações sobre o ler e escrever, os conhecimentos e as habilidades desenvolvidos ao longo de suas vidas [...].
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