UMA (RE)LEITURA
José Ozildo dos Santos
Rosélia Maria de Sousa Santos
O livro ‘Desenvolvimento e mudanças no estado brasileiro’, escrito por Alcides Domingues Leite Júnior, aborda o processo de mudança e de desenvolvimento ocorrido no estado brasileiro desde a proclamação da República (1889) até os dias atuais.
Apresentando esse processo Leite Júnior (2009) detalha, inicialmente, o surgimento do período que na história pátria ficou conhecido como a República Velha (1889-1930). Neste período, todos os presidentes civis eram bacharéis em direito e em sua maioria, membros da maçonaria. Por essa razão, o mesmo também é denominado de ‘República dos Bacharéis’ e ‘República Maçônica’. No entanto, tais denominações são secundárias, prevalecendo, portanto, a de ‘República Velha’.
O autor também apresenta uma divisão para esse período: a República da Espada (1889-1894) e a República Oligárquica (1895-1930), caracterizadas pelo domínio dos militares e dos presidentes dos estados, respectivamente. E, justifica que esse período histórico recebeu a denominação de República Velha “em contraposição ao período pós-revolução de 1930, que é visto como um marco na história da República, uma vez que gerou grandes transformações” (LEITE JÚNIOR, 2009, p. 14).
Leite Junior afirma que durante a ‘República da Espada’, com a Constituição de 1891, o Estado brasileiro se tornou mais descentralizado e federativo, oportunidade em que foi dada grande autonomia aos municípios e aos estados da federação. E que essa Constituição instituiu o regime de governo presidencialista e o sufrágio universal para eleição do legislativo e executivo, determinou ainda que o voto continuava ‘a descoberto’ (não secreto).
Frisa o autor que a Constituição de 1891 também apresentou avanços no que diz respeito ao direito penal: assegurou aos acusados o mais amplo direito de defesa, abolindo as penas de galés, de banimento judicial e de morte.
Por sua vez, a República Oligárquica se consolidou com a posse de Campos Sales, que foi o segundo presidente civil do Brasil. Após mostrar como ocorreu o governo Prudente de Morais, considerado um período de transição entre a República da Espada e a República Oligárquica, o autor apresenta o projeto político desenvolvido por Campos Sales, que garantiu a consolidação da República Oligárquica, explicando que o referido presidente, para ter suporte político, instituiu a política dos governadores.
Assim sendo, o governo federal não interferia na política estadual, em troca do apoio dos governadores. Por sua vez, os governadores não interferiam na política dos municípios, que era gerida pelas normas do coronelismo. Desta forma, com essa engenharia política, informa o autor, não havia espaço para os opositores da política dos governadores. E, se as eleições eram pouco confiáveis, a chamada ‘Comissão de Verificação de Poderes’, do Congresso Nacional, dificilmente ratificava a eleição de parlamentares que não apoiassem a ‘Política dos Estados’.
A figura carismática do ‘coronel’, conforme informa Leite Júnior, além de organizar a vida política nos municípios, era o elo de ligação entre o povo o governo. Tudo no município girava em torno dele: a escolha do candidato, a indicação do juiz e do delegado, a nomeação do professor e do escrivão.
Para alguns, o coronelismo representou o retrocesso. Para outro, a chave do desenvolvimento de muitas cidades, a exemplo da Campina Grande, onde existiu um certo Cristiano Laurentzen, que estimulou o desenvolvimento econômico, não medindo esforços para que os trilhos do trem chegassem à Rainha da Borborema.
No entanto, embora a figura do coronel tenha desaparecido, a prática e forma de se fazer política, que prevaleceu por longo período na República Oligárquica, ainda sobrevive em vários municípios do interior do estado da Paraíba. Ainda hoje, com raras exceções, os ocupantes dos cargos públicos nos municípios do interior são indicações do chefe político local.
Numa perfeita demonstração de que os métodos empregados pelo coronelismo ainda existem, tem-se a situação vivida no estado da Paraíba, em 2009, logo após a cassação do governado Cássio Cunha Lima: o novo governador exonerou todos os cargos de comissão. E, em troca de apoio político, nomeou todos os indicados pelas lideranças municipais.
Por outro lado, os altos índices de inflação e estagnação do crescimento econômico, aliados à instabilidade política causada com renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, alimentou, segundo Leite Júnior, o Golpe de Estado de 1964, que já vinha sendo tentado desde o segundo governo de Getúlio Vargas, mas adiado por vários fatores, entre os quais o crescimento econômico no período Juscelino Kubitschek.
Logo no início do regime militar, procedeu-se um ajuste nas contas públicas, visando o controle da inflação, que chegava a 80% ao ano. As profundas reformas na área fiscal e financeira resultaram na criação do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), elaborando sob a ótica da teoria monetarista, “que defende ser possível manter a estabilidade de uma economia através da utilização de instrumentos monetários” (LEITE JÚNIOR, 2009, p. 32).
Durante o regime militar, várias reformas estruturais foram realizadas, principalmente nos sistemas tributário, financeiro, trabalhista e previdenciário do país. Essas reformas permitiram ajustar as contas públicas, controlar o processo inflacionário, organizar o sistema financeiro, atrair poupança interna e externa, condições necessárias para a expansão da economia nos governos de Costa e Silva e Médici, período conhecido com ‘Milagre Econômico’.
Durante esse período, registra Leite Júnior, ocorreram sete anos de crescimento ininterrupto e contínuo da economia brasileira, que vai de 30 de outubro de 1969 até 15 de março de 1974. Para se ter uma idéia desse crescimento, o PIB do país cresceu 96,37%.
O autor também ressalta que o período do ‘milagre econômico’ teve como base além da política fiscal e monetária, desenvolvida de 1968 a 1973, as reformas e ajustes executados durante o governo Castelo Branco. E, “por ironia da história, o período de maior crescimento da economia brasileira ocorreu em meio ao endurecimento do regime militar em relação às liberdades políticas e de manifestação”.
Embora o crescimento econômico tenha melhorado a vida das pessoas, contribuiu para o aumento da concentração de renda, que ainda hoje é um dos significativos problemas do país. E esse é um dos principais pontos negativos do ‘milagre econômico’.
Durante o governo Geisel, “o processo, conhecido como ‘Crescimento Forçado’, trouxe grandes avanços para a economia brasileira, porém, com custos que levaram ao desequilíbrio das contas públicas e à disparada da dívida externa” (LEITE JÚNIOR, 2009, p. 39).
Registra Leite Júnior, que sucessivamente, durante o governo militar, passaram pela presidência da República: Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Garrastazu, Ernesto Geisel e João Batista de Figueiredo
Informa o autor que no Governo Geisel, o país cresceu 38,29%. A inflação acumulada nos cinco anos foi de 398%, uma média de 38% ao ano. E, que a dívida externa bruta passou de US$ 14,9 bilhões, no início do governo, para US$ 52,2 bilhões no final.
Em março de 1979 assume o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, cujo governo, segundo o autor, foi marcado, por um lado, pela abertura política, e por outro, pela crise econômica. Figueiredo concedeu a anistia a todos que tiveram seus direitos políticos suspensos durante o regime militar, oportunizando o retorno ao país dos principais líderes políticos de oposição ao regime militar. Nesse período, iniciou- se a reorganização partidária e a construção dos mecanismos de transição para o Estado de Direito.
A instabilidade econômica, produzida pelos grandes gastos públicos e pelos grandes investimentos, em período de crise internacional, aumentaram ainda mais o clima de insatisfação contra o regime militar, produzindo o maior movimento de massas da história do país: o movimento das ‘Diretas’.
Graças às medidas instituídas pelos governos militares a estrutura tributária no Brasil se consolidou, com destaque para a criação do FGTS, unificação do sistema de Previdência, bem com para as criações do ISS, do ICM e IPI.
Conclui o autor afirmando que embora o regime militar tenha transformado as estruturas produtiva e financeira do país, deixou um passivo que levou muito tempo para ser equacionado.
Na década de 1990, veio o plano real e o Brasil entrou na área da globalização durante o governo FHC, que abraçou o neoliberalismo. Apesar de ter patrocinado oito anos de estabilidade econômica, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso não conseguiu eleger seu sucessor e a estrela do PT caminhou triunfalmente pelas, nos braços do povo, que queria ver um operário ocupar a presidência da República e Luís Inácio Lula da Silva foi eleito presidente.
Autor informa que logo no início de seu governo, Lula reforçou a decisão de firmeza no combate à inflação e de rigor no ajuste fiscal, enviando para o Congresso um projeto de reforma da Previdência ainda mais profundo do que a reforma executada no governo anterior, contrariando a direção do Partido dos Trabalhadores, o que fez com que o mercado financeiro internacional passasse a acreditar em suas ações. Assim, ao mesmo tempo, o risco-país e o dólar começaram a cair e a confiança no presidente subiu de forma acentuada.
Lula soube aproveitar bem as oportunidades oferecidas pelo crescimento da economia internacional, diversificando o número de parceiros comerciais e atuando de forma agressiva no comércio exterior. Por outro lado, a queda da inflação permitiu reduzir a taxa básica de juros e impulsionar o volume de crédito na economia. Acrescenta Leite Júnior que a estabilidade econômica, durante o governo Lula I contribuiu para o crescimento do número de empregos formais e para a queda do índice de desemprego no país. E, que mais importante do que os resultados positivos nos campos econômico e social, foi a consolidação do processo democrático.
Afirma Leite Júnior, que o segundo governo Lula, visando retomar o processo de crescimento do PIB, instituiu o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimentos centralizados nas áreas de infra-estrutura energética, infra-estrutura social e urbana, e infra-estrutura logística. E, que o governo enviou ao Congresso uma proposta de reforma tributária com a pretensão de criar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), incorporando a COFINS, o PIS, a CIDE, o Salário-Educação, a CSLL e o IRPJ, unificando também as legislações tributárias estaduais.
Assinala o autor que outra importante medida do governo Lula II foi a fusão entre a Bolsa de Mercadoria e Futuros e a Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (Bovespa), criando uma Bolsa de Valores com patrimônio e valor de mercado entre as maiores do mundo.
O autor destaca que um momento crítico do governo Lula, ocorreu em 2008, quando ocorreu o recrudescimento da inflação, provocado pela elevação dos preços das commodities agrícolas e minerais e a cotação do petróleo, que acabou inflacionando todo o sistema de formação de preços ao redor do mundo. No entanto, a desaceleração das economias norte-americana, européia e japonesa acabou recuando a inflação no Brasil.
Outro fato digno de registro, segundo o autor, é que o Brasil não foi afetado pela crise financeira internacional, desencadeada em 2009 porque o sistema bancário nacional possui pouca exposição ao mercado internacional e a maior parte de suas operações é lastreada em títulos do governo federal.
Ressalta ainda Leite Júnior que o governo Lula unificou os programas de proteção social, do governo anterior, em torno do programa Bolsa-Família, ampliando sua cobertura e seus valores unitários, fazendo com que se registrasse um grande crescimento do mercado consumidor no interior do país, principalmente, na região Nordeste.
Acreditamos que os programas sociais adotados no Governo Lula não reduziram as diferenças de renda no país e não trouxeram melhoria as condições de vida, como freqüentemente é divulgado na imprensa. No entanto, deve-se reconhecer que os assistidos por esses programas sociais recebem uma pequena ajuda do governo federal, que, geralmente, é utilizada na compra de gêneros alimentícios.
Contudo, sabe-se que tais programas não possuem uma fiscalização efetiva e, de forma de irregular, vem beneficiando pessoas que não são necessitadas, em detrimento de uma grande massa de necessitados. Esta situação mostra a necessidade da definição de novos critérios para a seleção dos beneficiários, bem como a necessidade de se desvincular tais programas das prefeituras municipais, criando-se um órgão específico de controle e fiscalização.
Na minha concepção, as receitas públicas possuem um fim específico que é gerar desenvolvimento econômico e social. O estado pode investir nos programas de transferência de renda. No entanto, não de forma exclusiva, porque se assim o fizer, deixará de cumprir outras de suas atribuições.
Ele deve investir em infra-estrutura porque diretamente gera emprego e, conseqüentemente gera renda para o trabalho, aumenta o movimento do comércio, estimula o setor de construção civil, que necessitará de mais equipamentos e de material de construção, obrigando as empresas a produzirem mais. Estas, por sua vez, compraram mais matéria-prima e contratarão mais empregados.
Assim sendo, investindo em infra-estrutura haverá reflexos em todos os setores produtivos, oportunizando novos postos de trabalho. E, se o Estado priorizar os programas de transferência de renda não conseguir promover o efetivo desenvolvimento sócio-econômico.
Lamentavelmente, tem-se notado que o governo federal vem ampliando cada vez os programas de transferência de renda. E, conseqüentemente, vem investimento em setores que até então eram prioritários. Os reflexos dessa situação já podem ser notados, principalmente os grandes centros, onde um grande número de lojas comerciais já fechou suas portas, além de número quase incalculável de pequenas e médias empresas que tiveram de encerrar suas atividades, gerando ainda mais desemprego.
Creio, que já é hora de se colar em prática aquela velha máxima que diz: “a melhor forma de se promover o desenvolvimento sócio-econômico de uma nação é oportunizando ao seu povo emprego e renda, e, não dando-lhe esmolas”.