VIOLÊNCIA SEXUAL
FICHAMENTOS
LEA, Maria de Fátima Pinto; CÉSAR, Maria Auxiliadora (Org.). Indicadores de violência intra-familiar e exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (Relatório Final da Oficina).
Brasília: CECRIA - Centro de Referência, Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes, 1998.
FALEIROS, VICENTE DE PAULA. A violência sexual contra crianças e adolescentes e a construção de indicadores: a crítica do poder, da desigualdade e do imaginário, pág. 7-18.
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A violência, que, no cotidiano, é apresentada como abuso sexual, psicológico ou físico de crianças e adolescentes, é, pois, uma articulação de relações sociais gerais e específicas, ou seja, de exploração e de forças desiguais nas situações concretas, não podendo, assim, ser vista como se fosse resultante de forças da natureza humana ou extranaturais – por exemplo, obra do demônio - ou um mecanismo autônomo e independente de determinadas relações sociais. Esta violência, manifesta, concretamente, uma relação de poder que se exerce pelo adulto ou mesmo não adulto, porém mais forte, sobre a criança e o adolescente num processo de apropriação e dominação não só do destino, do discernimento e da decisão livre destes, mas de sua pessoa enquanto outro. Esse uso (chamado abuso) do poder da força é, de fato, uma profunda desestruturação de uma relação de poder legitimado pelo direito e pelo diálogo, pela autoridade da maiêutica na dinâmica de ensino/aprendizagem mútua vivida no questionamento comum do mundo e na construção da autoridade legítima.
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[...] A figura de parente, pai, chefe de família não deve ser motivo para escusas e tolerâncias com o abuso ou a exploração sexual de crianças e adolescentes. A lei deve criminalizar as agressões, os assédios, os abusos, a exploração e criar mecanismos para que sejam responsabilizados os pais, padrastos e agentes do Estado, no exercício ou não de suas funções que venham a praticar essas
violações. O poder de pai não anula o outro como poder ser e ser de poder. Ao contrário, só se legitima ao construí-lo nos limites dos padrões civilizatórios dos direitos humanos, incluindo a sexualidade responsável.
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O desmonte dessa violência e a construção de uma cultura amorosa da criança e de garantia de seus direitos à sociedade implica denunciar permanentemente a quebra do respeito, da proteção e da construção das relações de trocas afetivas e de aprendizagem e também implica coibir os abusos, enfrentar as ameaças e os segredos, proteger as vítimas e as testemunhas.
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O combate e o desmonte15 da exploração sexual de crianças e adolescentes pelas redes e pelo crime organizado não pode estar, assim, dissociado, do combate e desmonte da violência intra-familiar (física, psicológica, sexual, social), na maioria, praticado dentro dos lares. A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes não se configura, em geral, como uma relação individual de um agressor ou explorador. Ela se constitui em rede, na busca de clientes para um mercado do corpo, sem a opção de quem é usado, na busca do lucro, com a sedução do prazer. Ela desconstrói e destrói as relações de proteção, de direito e aprendizagem da autonomia, pela intermediação do corpo e mercantilização da infância. O corpo da criança e do adolescente se transforma em valor de uso e em valor de troca em âmbito nacional ou internacional.
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O combate à violência intra-familiar e da exploração sexual de crianças e adolescentes implica responsabilização legal dos envolvidos, a denúncia, a declaração formal, a instauração do devido processo e o julgamento. Os aparelhos policial e judiciário precisam atuar, pois, na construção de uma cultura cívica da punição legal em oposição à cultura da impunidade, da chacota e desmoralização das denunciantes, do descrédito dos depoimentos de crianças e adolescentes e das pessoas pobres.
FLORES, RENATO ZAMORA. Definir e medir o que são abusos sexuais. Pág. 24-33
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[...] abusos sexuais contra crianças, produz, em muitos membros da comunidade, sentimentos de raiva e desprezo que fazem com que diversos agressores sexuais quando descobertos, sejam agredidos de maneira estremada, linchados, induzidos a suicídio e, já quase uma lenda urbana, currados nos presídios. Com freqüência, vítimas, testemunhas e familiares referem-se aos agressores sexuais como pessoas que perderam a sua humanidade, transformados, por seus atos, em espécimes de monstros apavorantes como os que povoavam nossos pesadelos infantis.
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Um aspecto relevante a ser considerado na definição de abuso sexual refere-se a questão da relatividade cultural. Embora alguns tipos de contatos físicos mais íntimos possam ser aceitáveis em grupos com diferentes culturas e concepções acerca da sexualidade, para
outros grupos, no entanto, o mesmo comportamento pode ser percebido como algo inadequado. Para um avaliador proveniente de diferente contexto social ou grupo étnico das pessoas envolvidas no caso avaliado, pode ser particularmente difícil identificar e compreender as interações abusivas, pois a percepção do que seja um comportamento abusivo é algo definido pela sociedade, e varia tanto no espaço geográfico quanto na dimensão temporal.
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O abuso sexual pode ser definido, de maneira bastante generalista, como o envolvimento de crianças e adolescentes - logo, em processo de desenvolvimento - em atividades sexuais que não compreendem em sua totalidade, para quais não estão aptos a concordarem e que violam as regras sociais e familiares de nossa cultura.
Esta caracterização inclui basicamente três conjuntos de situações:
a) história de agressão sexual com violência física na qual o (a) jovem é a vítima.
b) interação ou contato sexual (como toques, relações sexuais, exibicionismo, voyerismo, etc.) entre uma criança e outra pessoa de qualquer idade em que a participação tenha sido obtida por meios desonestos, como ameaças, coerção moral, mentiras, deturpações de padres morais e táticas similares.
c) contato ou interação sexual entre criança ou adolescente e adulto, mesmo com a cooperação voluntária, em situações definidas por lei ou costumes como crime, devido à presunção de imaturidade do (a) jovem e de responsabilidade do adulto.
Neste grupo estão incluídos os casos de exploração sexual. Poderíamos acrescentar uma quarta situação, um pouco mais complexa e menos freqüente:
d) falsas denúncias, pois no Brasil, como nos EUA, por exemplo, as conseqüências de uma investigação de abuso sexual, especialmente aqueles ocorridos no lar, são, para a família, devastadoras, com perda de emprego, divulgação pública, processos criminais e conseqüente abandono por parte de amigos e familiares. Este fenômeno foi denominado de "trauma secundário induzido pelo sistema".
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[...] abuso sexual é qualquer incidente de contato sexual entre crianças com menos de 16 anos e adultos em posição de autoridade (indivíduo com poder ou controle sobre a criança por qualquer período de tempo). Inclui, mas não se limita a: solicitação de contato físico, estupro oral ou genital, forçar a assistir ou participar de ato sexual, a assistir a vídeos pornográficos, a posar para fotos eróticas, manipulação, exibicionismo, sodomia e incesto.
HAZEU, Marcel; FONSECA, Simone. Exploração e violência sexual contra
crianças e adolescentes no Pará, pág. 34-43.
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A análise conceitual do tema violência e exploração sexual requer uma abordagem histórica da questão, oriunda de toda uma estrutura desigual da sociedade brasileira, pautada não só pela dominação de classes, como também pela imperante dominação de gênero e raça e ainda nas relações de autoritarismo estabelecidas entre adulto/criança.
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Relações sexuais forçadas (violência sexual) - quando nas relações estabelecidas, o
parceiro viola a liberdade sexual do outro. Pode ocorrer sem contato físico (exibicionismo, linguagem sexualizada, exibição de filmes pornográficos), por estimulação (toques e caricias inapropriadas, insinuantes), por realização de atos sexuais (sexo anal, oral, vaginal). Vale ressaltar que, quando trabalhamos com a categoria criança, sempre presume-se violência, em qualquer forma de relação sexual, um vez que a criança depende totalmente do adulto e não tem condições de definir sobre sua vontade sexual.
Com relação a adolescentes, estes são imaturos e curiosos sexualmente e podem até provocar o adulto com o intuito de definir sua identidade sexual. Pode-se questionar a origem dessa procura de crianças por adultos para realizar suas fantasias sexuais.
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Relações sexuais envolvendo exploração - quando na relação se tira proveito indevido do trabalho sexual do outro, o que ocorre no chamado mercado do sexo. Diversas atividades são desenvolvidas, como: prostituição (estabelece-se a troca de favores sexuais por bens materiais ou sociais); shows eróticos (imagem de atos sexuais é vendida ao vivo); pornografia (venda de imagens de relações sexuais e do corpo filmado ou fotografado); tráfico (promover a saída ou entrada do território nacional de crianças e adolescentes para fins de prostituição). No mercado do sexo, milhares de pessoas trabalham à margem da sociedade, por não terem suas profissões reconhecidas. Desta forma, ficam sujeitos a várias formas de exploração.