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domingo, 8 de janeiro de 2012

ARTE RUPESTRE

MARTIN, Gabriela. Pré-história do Nordeste do Brasil. 4 ed. Recife: EDUFPE, 2005.

FICHAMENTO

Pág. 235
O ano de 1598 registra a mais antiga referencia bibliográfica de uma gravura rupestre o Brasil, quando o Capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, encontrou, junto a um rio chamado Arasoagipe, gravuras que ele considerou “uma cruz, caveiras de defunto e desenhos de rosas e molduras”, referidas nos Diálogos das Grandezas do Brasil. Anos depois Herckman, às ordens do governo da Holanda, chegou à Capitania da Paraíba em 1641 e relatou ter visto inscrições em rochedos.

Pág. 236
Atualmente, as noticias amplamente divulgadas nos periódicos científicos e na imprensa, sobre o extraordinário conjunto rupestre de São Raimundo Nonato, descoberto por Niède Guidon, na década de 70, faz com que toda referência a registros rupestre de outras áreas do Nordeste e mesmo fora da região, tomem como ponto de referência aquela grande área arqueológica e se fale de “pinturas parecidas ou diferentes às de São Raimundo Nonato”.

Pág. 237
O arqueólogo não poderá ignorar os registros rupestres na sua dimensão estética, considerando-se a habilidade manual e o poder de abstração e de invenção que levam o homem a usar recursos técnicos e operativos nas representações pictóricas pré-históricas. Por muito que o arqueólogo queira inibir-se da valorização estética do registro rupestre, procurando utilizá-lo apenas como uma parte do contexto arqueólogo, como ser humano sensível aos estímulos estéticos de seu entorno, valorizará também o seu conteúdo “artístico”. Se assim não fosse, não se teriam intensificação as pesquisas arqueológicas precisamente nas regiões onde os achados rupestres se apresentavam com maior beleza e conteúdo estético. O que o arqueólogo não se pode permitir é a escolha de determinada área arqueológica como objeto de estudo, porque as pinturas ou gravuras rupestres ali existente sejam especialmente belas e abundantes, ricas de temática, policrômicas, etc. e, somente por isso.

Pág. 237-238
São conhecidas as dificuldades de relacionar-se registros rupestres com a cultura material, identificadora dos grupos étnicos responsáveis, pois muitas e muitas vezes, as pinturas e, ainda mais, as gravuras rupestres, especialmente no Brasil, são a única variável visível que marca a presença humana e identifica sítios arqueológicos. Muitos deles foram pintados ou gravados, sem que as condições de permanência no local ou a escolha seletiva de rochas ao longo dos cursos d’água, ofereçam condições de se obter vestígios de cultura material factíveis de relacionamento seguros com os registros.   

Pág. 238
Por muito que os autores matérias dos registros rupestres tenham separado as zonas da sua vida cotidiana e as de sua vida espiritual, representadas pelas gravuras e pinturas rupestres, habitaram áreas escolhidas por longos períodos vieram de outro lugar, muitos morreram e outros abandonaram a região obrigados por outros grupos ou impelidos na procura de melhores formas de sobrevivência. Dificilmente, em enclaves arqueológicos com grande ou média densidade de concentração de sítios rupestres, deixarão de existir abundantes indícios de cultura material dos grupos étnicos responsáveis pela execução de tais registros e somente a identificação e a escavação arqueológica poderão fornecer a informações culturais necessárias para se completar o quadro de ocupação pré-histórica de enclave arqueológico escolhido para a pesquisa.

Pág. 239
O descobrimento arqueológico de grandes áreas do Brasil, a falta de monografias dedicadas ao estudo de enclaves arqueológicos e um acentuado individualismo na hora das definições fazem com que o rico acervo dos registros rupestres brasileiros não se apresente com divisões nem definições claramente estabelecidas e também que não haja acordo entre os pesquisadores sobre a definição das “tradições”.

Pág. 239
O Brasil pré-histórico apresenta-se com tradições líticas, cerâmicas e rupestres de ampla dispersão através de suas grandes distâncias e ampla temporalidade. O registro arqueológico e, concretamente, o rupestre assim o indicam. As tradições rupestres no Brasil não evoluíram por caminhos independentes; os seus autores ou grupos étnicos aos quais pertencem, provavelmente, muitas vezes, mantiveram contatos entre si, produzindo-se a natural evolução no tempo e no espaço que os obriga a estabelecer as subdivisões pertinentes.

Pág. 240
O conceito de tradição compreende a representação visual de todo um universo simbólico primitivo que pode ter sido transmitido durante milênios sem que, necessariamente, as pinturas de uma tradição pertençam aos mesmos grupos étnicos, além do que poderiam estar separados por cronologias muito distantes.

Pág. 241
Um dos primeiros pesquisadores a usar o termo tradição aplicado à arte rupestre foi Valentin Calderón, na Bahia, e, 1970, para definir o “conjunto de característica que se refletem em diferentes sítios associados de maneira similar, atribuindo cada uma delas ao complexo cultural de grupos étnicos diferentes, que transmitiam e difundiam, gradualmente modificadas através do tempo e do espaço”.

Pág. 241
Dentre as subdivisões posteriores está a sub-tradição, termo introduzido para definir o grupo desvinculado de uma tradição e adaptado a um meio geográfico e ecológico diferentes, que implica na presença de elementos novos.

Pág. 241
Para Pessis e Guidon (1992), o estilo é a classe mais particular decorrente da evolução de uma sub-tradição segundo as variações da técnica e da apresentação gráfica, com inovações temática que refletem a manifestação criativa de cada comunidade.

Pág. 242
O estudo do simbolismo é um grande desafio, na medida em que nos deparamos com a dificuldade de definir o não visível. A procura do “oculto” que está atrás do registro gráfico não figurativo é terreno fértil para interpretações ilógicas e não poucas vezes abrigo da ignorância. Na falta de outros caminhos elaboram-se tabelas e gráficos de ocorrência que nada ou muito pouco desvendam, limitadas à satisfação ingênua de que se fez “algo” científico.

Pág. 243
O termo grafismo, que prefiro para designar qualquer desenho unitário indefinido no conjunto pictural rupestre, não é utilizado com unanimidade pelo arqueólogos do Brasil, apesar de sua inegável utilidade como agente definidor não comprometido e ser uma definição utilizada por André Leroi-Gourham. Foi introduzido na nomenclatura brasileira por Anne-Marie Pessis, que a ampliou criando “categorias” de grafismos, que dividiu em três grupos, atendendo às possibilidades identificatórias dos mesmos.

Pág. 243
Os grafismos puros são as representações que Leroi-Gourham definiu como nível geométrico puro, e constituem as figuras pintadas ou gravadas que não identificamos.

Pág. 243
Os grafismos de composição estão representados por figuras que podem ser reconhecidas, sejam antropomorfos, zoomorfos ou fitomorfos.

Pág. 243-244
Os grafismos de ação representam cenas a partir dos anteriores grafismos de composição e nelas não estão descartados os grafismos puros, que poderão formar parte do conjunto gráfico como atributos ou enfeites que acompanham os grafismos de ação.

Pág. 244
A classificação em tradições e outras divisões é a forma operacional que os arqueólogos usam para separar e identificar as formas de apresentação gráfica utilizadas pelos diversos grupos étnicos pré-históricos no tempo e no espaço.

Pág. 245
O termo “registro rupestre”, definido que tenta substituir, entre arqueólogos a consagrada expressão “arte rupestre”, pretende liberar da conotação puramente estética algo que, seguramente, é a primeira manifestação artística do homem, ao menos em grandes áreas geográficas onde a arte móvel em pedra e osso não aparece anteriormente às gravuras e pinturas rupestres.

Pág. 246
Na longa noite da arte, a lasca de pedra e o galho da árvore, ou a própria mão nua, forma um instrumento lúdico de atividade manual “para matar o tempo” e satisfazer a natural tendência humana para o grafismo.

Pág. 246
Podemos afirmar que o registro rupestre é a primeira manifestação estética da pré-história brasileira, especialmente rica no nordeste. Alem do evidente interesse arqueológico e etnológico das pinturas e gravuras rupestres como definidoras de grupos étnicos na ótica da História da Arte representa o começo da arte primitiva brasileira.

Pág. 246
O pintor que retratou nas rochas os fatos mais relevantes da sua existência, tinha, indubitavelmente, um conceito estético do seu mundo e da sua circunstância.

Pág. 247
A “universalidade” de centenas de grafismos, semelhantes ou até iguais em várias partes do mundo, levaram muitas vezes a hiperdifusionismos desavisados e comparações fantasiosas com antigas escritas universais. No que temos convencionado chamar de grafismos puros, nos quais predominam formas e sinais que podem confundir-se ou identificar-se como corpos celestes, ou formas geralmente singelas, que podemos chamar primárias, nas origens do desenho, repetem-se em todo o mundo. Pretender encontrar algum significado lógico em grafismos semelhantes porém separados por cronologias desconhecidas e pertencentes a grupos étnicos também desconhecidos, resulta em uma tarefa inútil.

Pág. 248
A tendência atual entre os arqueólogos é não interpretar as representações rupestres e sim apenas descrever o que há, o que se pode ver, procedendo-se a análise mais técnicas do que interpretativas, utilizando-se critérios técnicos que valorizam saber-se como grafismos foram realizados, quais os recursos matérias empregados e, principalmente, quais os grafismos que podem ser considerados como representativos de uma tradição rupestre determinada.

Pág. 249
A dificuldade para se compreender os grafismos do registro rupestre poderia ser exemplificada pelo que testemunhei, faz muitos anos, nas montanhas cantábricas, na Espanha, região onde se concentra ricas manifestações da arte paleolítica. Discutia-se o significado de certos sinais comuns a muitos abrigos pré-históricos, nos quais se repetiam riscos verticais às vezes cortados por outro horizontal.

Pág. 249
Procurar significado e explicação para todos os grafismos que o registro rupestre nos oferece, como já ressaltamos é inútil. Certas “garatujas”, riscos, grafismos singelos ou complexos, superpostos a painéis rupestres anteriormente desenhados, foram feitos muitas vezes, pelo desejo de estragas ou apagar o trabalho anterior.

Pág. 251
É indubitável que muitos dos grafismos abstratos, desenhados a partir de fosfenas ou imagens evocadas com o uso de alucinógenos, são semelhantes aos grafismos puros representados em pinturas e gravuras rupestres pré-históricas. Porém, algo bem diferente são as interpretações que os indígenas atuais dão a esses grafismos, interpretações muitas vezes mais induzidas que espontâneas, pois já as ouviram dos seus maiores.

Pág. 251-252
Foi precisamente nos sertões nordestinos do Brasil, onde a natureza é particularmente hostil à ocupação humana; onde se desenvolveu uma arte rupestre pré-histórica das mais ricas e expressivas do mundo, demonstrando capacidade de adaptação de numerosos grupos humanos que povoaram a região desde épocas que remontam ao pleistoceno final.

Pág. 252
No estado atual do conhecimento pode-se supor que o centro da tradição Nordeste seja o sudeste do Piauí de onde se estendeu para outras regiões. Três áreas de expansão poderiam ser admitidas em princípios: o vale do são Francisco, até Sergipe, onde na região do município de Canindé foram assinalados abrigos com as características da tradição; outros grupos rumaram para a Chapada Diamantina e área de Central na depressão sanfranciscana, na Bahia, e um terceiro, o mais significativo, teria se fixado na região do Seridó, de onde, posteriormente, expandi-se em direção do nordeste da Paraiba, da bacia do Curimataú e da região de campina Grande.

Pág. 256
Nas pinturas da tradição Nordeste, como era quase toda a pintura rupestre, domina a cor vermelha, apresentando numerosas tonalidades. Más é comum a utilização de outras cores como a branca, a amarela, a preta e a cinza. O verde e o azul foram também assinalados no SE do Piauí num belo conjunto de veados. Mas a principal característica na utilização das cores é que não se reduzem à presença de uma só cor isolada.

Pág. 259
Dentro das linhas gerais que determinam a tradição Nordeste, a sub-tradição Várzea Grande pode ser dividida em três períodos bem definidos. No primeiro, observam-se representações dinâmicas individuais que mostram grande mobilidade e aspectos lúdicos, também compostas por duas figuras ou pequeno numero de seres humanos ou animais. Num segundo período que pode se datar-se em torno de 8.000 anos, a temática torna-se mais complexa, aumentam também os atributos e enfeites na figura humana e aparecem cenas de sexo grupal. No período final o movimento das figuras é mais tênue, a figura humana mais rígida e, em geral, nota-se uma tendência ao geometrismo das formas.

Pág. 261
Os grupos de caçadores que pintaram os abrigos do Seridó enriqueceram a antiga tradição Nordeste com elementos novos, próprios de seu “habitat”, tais como pirogas cuidadosamente decoradas com desenhos geométricos, objetos, ornamentos e pintura corporal, alem de representações fitomorfas que dão a impressão de “paisagem”.

Pág. 264-265
O mundo que aparece nas pinturas rupestres do Seridó é a vida cotidiana da pré-história, às vezes trágica e violenta, com figuras possuídas de grande agitação e outras que apresentam um mundo lúdico e brincalhão, documentado pelo movimento da dança e a agilidade das figuras acrobáticas. A dinâmica do movimento corporal é particularmente complexa e para expressá-la com maior vivacidade utilizam-se recursos tais como o alongamento da silhueta e movimentos sinuosos do corpo. Dá-se também ênfase exagerada a certos rasgos que levam à estilização da figura humana, na procura de expressionismo no movimento.
Pág. 266
[...] além do realismo e vivacidade das suas pinturas, ainda é pouco o que sabemos desses primitivos habitantes do Nordeste que pintaram os abrigos das serras que circundam os vales do rio do Seridó e seus afluentes, Carnaúba e Acauã, desenhando com delicadeza e minuciosidade, detalhes e os fatos mais importantes da sua existência: a luta, a caça, a dança e o amor.

Pág. 268-270
Chamamos sub-tradição Central às manifestações rupestres que, sem dúvida, pertencem também à tradição Nordeste no sertão da Bahia. A designação é homenagem ao trabalho de Maria da Conceição Beltrão nessa região; nesta sub-tradição incluem-se também, pinturas rupestres localizadas em abrigos da Chapada Diamantina, principalmente nos municípios de Lençóis e Morro do Chapéu.

Pág. 271
A forma de tratar a figura humana com a valorização do tamanho dos animais que estão sendo caçados, nos grafismos de ação, são elementos comuns na sub-tradição Central e nas sub-tradições Várzea Grande e Seridó.

Pág. 274
A sub-tradição Central deve ter extensão muito ampla e disseminada a julgar pelos abrigos que se conhecem ao longo da depressão sanfranciscana e as serras limítrofes, sem que tenham sido feitas pesquisas intensivas a não ser na área de Central. Seguramente essa sub-tradição alcança também o vale do Peruaçu, afluente do São Francisco.

Pág. 277
Com técnica gráfica e riqueza temática inferiores à tradição Nordeste, outros grupos éticos de caçadores pré-históricos marcam sua presença no Nordeste brasileiro: o registro rupestre que os caracterizam tem sido chamado de tradição Agreste. O nome deve-se à grande concentração de sítios com pinturas localizadas nos pés da serra, várzeas e “brejos” da região agreste de Pernambuco e do sul da Paraiba, mas, na verdade, trata-se de uma tradição rupestre extremamente espalhada por todo o Nordeste, tanto nos “agrestes” como nas áreas sertanejas semi-áridas.

Pág. 277
As principais características da tradição Agreste são os grafismos de grande tamanho, geralmente isolados, sem formas cenas e, quando estas existem, apresentam-se compostas por poucos indivíduos ou animais. Grafismos puros ou muito elaborados, acompanham o grafismo de ação sejam eles antropomorfos ou zoomorfos.

Pág. 280
Na tradição Agreste, tecnicamente, os tipos de pigmentos utilizados são predominantes o vermelho nas diversas tonalidades que o óxido de ferro e o ocre natural podem fornecer, mas a densidade das tintas usadas e o maior ou menor cuidado no traço e na elaboração dos grafismos mudam muito nas diferentes áreas geográficas. É possível mesmo encontrar-se numa mesma áreas ou mesmo entre abrigos vizinhos, grafismos cuidadosamente elaborados com linhas paralelas perfeitas e de traço limpo e outros grafismos nos quais a tinta escorre borrando o desenho original.

Pág. 280
Cronologicamente, pelos dados que até agora se conhecem, a tradição Agreste, posterior a Nordeste, aparece no SE do Piauí em torno de 5.000 anos antes do presente. Essa data se obteve naToca da Boa Vista I, em São Raimundo Nonato.

Pág. 281
Damos a denominação de Cariris Velhos à sub-tradição que caracteriza os sítios rupestres da tradição Agreste que se estendem numa ampla área ao sul da Paraiba e ao Nordeste de Pernambuco, na região onde um arco de serras marca a divisa entre os dois estados, ou seja, entre os 36º - 37º de longitude limitados pelos municípios de Campina Grande ao norte e Arcoverde ao sul.

Pág. 281-282
Os grafismos caracterizadores da sub-tradição Cariris Velhos são basicamente os descritos para a tradição Agreste [...], pois foi a partir desses sítios do Agreste pernambucano que a tradição foi determinada. Os grafismos e painéis da sub-tradição Cariris Velhos nunca aparecem em abrigos e paredões no alto das serras e, tanto na Paraiba como em Pernambuco, os lugares preferidos são os matacões arredondados de granito que emergem pela erosão, nas rochas mais brandas, nos vales e nas encostas das serras, destacando-se na paisagem.

Pág. 286
A tradição Agreste está presente também no norte do Estado do Piauí. O parque Nacional de sete Cidades, no município de Piracuruca, reúne um importante conjunto de sítios com pinturas dessa tradição, no qual dominam os grafismos puros, mas conta também com presença do pássaro de asas abertas e antropomorfos típicos da tradição Agreste.

Pág. 287
É impressionante a enorme extensão que a tradição Agreste alcançou. Atualmente procede-se por parte de vários pesquisadores a uma revisão dessa tradição rupestre tratando-se de determinar as diversas e possíveis sub-tradições e os caminhos que as mesmas seguiram na sua evolução espaço temporal.

Pág. 287
O que mais impressiona na tradição Agreste é a repetição dos grafismos emblemáticos que a determinam, às vezes tão semelhantes que parecem desenhados pela mesma mão embora estejam separados por centenas de quilômetros. Assim, poderíamos falar de uma sub-tradição da tradição Agreste, na região de Sobradinho, na Bahia.

Pág. 290-291
No Rio Grande do Norte, poderíamos também assinalar uma sub-tradição Apodi, baseada principalmente nas pinturas do Lajedo da Soledade, nesse município, situado na bacia do Apodi-Mossoró. Na chamada “ravina das araras”, curiosa formação castiça de 2km2 de área que apresenta estreitos corredores cavados pelas águas, sucedem-se pequenos abrigos que foram profusamente pintados com tinta vermelha e preta.

Pág. 292
A definição de geométrico é ampliada quando o grafismo lembra alguma das formas geométricas conhecidas. Os arqueólogos brasileiros, em geral, aceitam a existência de uma ou várias tradições geométricas na arte rupestre brasileira. O problema é subjacente à ambigüidade das definições e à escolha do que pode ser considerado “geométrico” para definir uma tradição com esse nome. Nota um certo cacoete na inclinação cômoda de atribuir-se a uma suposta tradição Geométrica todos os grafismos puros que não se encaixem nas outras tradições definidas.

Pág. 295
A tradição geométrica [...] trata-se de uma tradição que aparece dominante em um único sitio da área de pesquisa arqueológica, embora apareça às vezes como intrusão em sítios com dominância da tradição Nordeste.

Pág. 296
Em trabalhos publicados sobre arte rupestre no Nordeste, as referencias relativas a sítios atribuídos à tradição Geométrica estão apoiados apenas nos grafismos “geométricos” que foram identificados nos painéis e seus autores foram levados pela inércia de utilizar as classificações já estabelecidas. Muitas vezes o que se propõe como classificação preliminar passa a ser definitivo, pelo uso cômodo do já estabelecido, sem uma reflexão crítica sobre se essas classificações continuam ou não sendo válidas.

Pág. 296
Alguns arqueólogos admitem a existência de uma tradição Astronômica a partir de grafismos que podem ser interpretados como representações de corpos celeste, lunações, trajetórias solares, etc. que, sem dúvida, aparecem em muitas partes do mundo. Talvez ao se possa interpretar esse tipo de grafismo como determinante de uma tradição de arte rupestre, se aceitamos o conceito de “tradição” como um complexo sócio-cultural em que determinados grupos étnicos se desenvolvem.

Pág. 297
No Lajedo da Soledade, em Apodi (RN), encontra-se uma das mais interessantes representações rupestres fruto da observação celeste [...]. trata-se do desenho de uma possível trajetória solar ou lunar realizada com técnica da tradição Agreste, sub-tradição Apodi.

Pág. 298
Nos cursos de muitos rios, arroios e torrentes do Brasil, existem disseminados de norte a sul, desde o Amazonas ao rio Grande do Sul, gravuras indígenas realizada nas rochas das margens e nos leitos dos cursos d’água. São conhecidas pelo nome de Itaquatiaras (pedras pintada, em língua tupi) e que são, de todas as manifestações rupestres pré-históricas do Brasil, aquelas que mais se tem prestado a interpretações fantásticas. Estes petróglifos são de feitura, tamanho e técnica de gravura muitos diferentes, dependendo da ampla geografia brasileira.


Pág. 298
[...] Uma outra tradição de gravuras, sempre esquemáticas, estende-se desde a fronteira com a Bolívia até o norte de Minas Gerais , com ramificações na Argentina e no Uruguai. Finalmente, uma “Grande Tradição Itaquatiara” representaria sistematicamente, as gravura rupestres do Nordeste do Brasil.

Pág. 300
É evidente que a maioria dos petróglifos ou itaquatiaras do Nordeste do Brasil, estão relacionados com o culto das águas. Muitas dessas gravuras nos fazem pensar em cultos cosmogônicos das forças da natureza e do firmamento. Possíveis representações de astros são freqüentes, assim como a existência de linhas onduladas que parecem imitar o movimento das águas. É natural que nos sertões nordestinos, de terríveis estiagens, as fontes d’água fossem consideradas lugares sagrados, mas o significado dos petróglifos e o culto ao qual estavam destinados nos são desconhecidos.

Pág. 300
A Itaquatiara do Ingá ou Pedra Lavrada de Ingá, na Paraiba, é sem dúvida a mais famosa gravura rupestre do Brasil. No meio do riacho Ingá do Bacamarte, perto da sede do município e a 37 quilômetros de Campina Grande, a Pedra do Ingá é muito visitada, e é grande o perigo de depredação e ruína do monumento. Está situada numa série de blocos de gneiss que estrangula o rio, formando pequenas cascatas e reservatórios d’água onde a população local costuma banhar-se.

Pág. 300-302
Na atualidade, além do grande painel existem alguns grafismos isolados nas proximidades, muito gastos, tanto pela ação das águas como pelas pisadas dos visitantes. Nenhuma inscrição rupestre do Brasil foi tema de tanto interesse para eruditos e pseudo-cientistas como a itaquatiara de Ingá, mas, curiosamente, não houve pesquisas completas feitas por arqueólogos profissionais que, isolando as fantasias de que fora objeto desde o século passado, procurassem inseri-la na pré-história do Brasil como mais uma manifestação do mundo simbólico indígena na tradição rupestre que se espalha por todo o Nordeste.

Pág. 303
O caso da gravura de Ingá é ainda mais complexo pois é em muitos aspectos, um caso único, fato que dificulta ainda mais a filiação étnica da famosa itaquatiara. Existem semelhanças com outros grafismos encontrados na região do Seridó e nos Cariris Velhos mas, como conjunto gráfico homogêneo na técnica na organização e aproveitamento do espaço gráfico e na indubitável mensagem que o painel gravado transmite, a itaquatiara de Ingá é única.

Pág. 304
A verdade é que os grafismo de Ingá não oferece nenhuma explicação fácil e lógica e é até possível que a sua finalidade fosse precisamente essa e que, através dos séculos, estejam conseguindo seu propósito o autor ou autores dos petróglifos. A magia não é permitida a todos. O seu grande poder reside, exatamente no mistério. Somente alguns sabem o significado de grafismos, que, sem dúvida, tem um significado, ma somente os iniciados o conhecem.

Pág. 306
É nos grafismos puros das itaquatiaras onde aparece mais patente a capacidade de abstração do artista pré-histórico. A possível “garatuja lúdica” para passar o tempo, que em alguns casos pode ser verdadeira, dificilmente podemos aceita-la como tal, quando feitas em rochas duras nas quais se teve que empregar instrumentos de pedra durante dias de trabalho, com elaboração, às vezes, de grafismos repetitivos. Grafismos que se repetem podem ser considerados como permanência de idéias que podem tanto significar situações sociais como modificações ecológicas.

Pág. 306
Que eram os lugares com pintura e gravuras rupestres? Lugares de passagens? De habitação? Ou santuários? Pela estrutura fechada da caverna e o mistério que nelas se encerra, as cavernas paleolíticas da Europa forma consideradas os santuários pré-histórico por excelência, mas o que dizer dos abrigos e paredões nada profundos do Nordeste do Brasil? Muitos deles não foram ocupados por falta material de condições e o homem limitou-se a pintar e gravar suas paredes.

Pág. 307
Os registros rupestres são, sem dúvida, uma fonte inesgotável de informações antropológicas e podem e devem ser estudados sob vários aspectos, o etnológico, o estatístico, o cronológico ou como formas de apresentação e de comunicação e também como processo de desenvolvimento artístico e das faculdades estéticas humanas. A análise múltipla do registro rupestre proporcionará respostas também múltiplas, de grande valor para o conhecimento da sociedade pré-histórica que o realizou.

Pág. 307-308
[...] As comparações etnográficas tão sugestivas como perigosas, são sempre uma tentação que devemos aceitar com restrições, mas sem ignorá-las pois são dados preciosos para da pré-história de um país que, como o Brasil tem a sorte de possuir informações de primeira mão de remanescentes indígenas ainda vivos. Feiticeiros, pajés ou simplesmente contadores de estórias, podem ter sido os responsáveis pela transmissão do conhecimento e dos mitos depois representados nas pedras.

Pág. 308
Os limites científicos do conhecimento e da interpretação dos registros rupestres são muito frágeis, na medida em que lidamos com o mundo das idéias, num período da história humana do qual não temos um contexto global e esse é o grande desafio da pré-história. Sem negligenciar o rigor científico, não podemos negar o valor da imaginação nos caminhos da pré-história, para evitar que esta se transforme numa árida relação de dados, sem atingir a realidade humana.

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