LODGE, Martin; WEGRICH, Kai. O enraizamento da regulação de qualidade: fazer as perguntas difíceis é a resposta. In: PROENÇA, Jadir Dias; COSTA, Patrícia Vieira da; MONTAGNER, Paula. Desafios da regulação no Brasil. Brasília: ENAP, 2006, p. 17-36.
FICHAMENTO
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A regulação está no cerne de muitas das discussões atuais sobre políticas públicas. Depois do colapso dos mercados financeiros, iniciado em 2007, quase ninguém argumentaria que a regulação não é importante para o funcionamento continuado das economias de mercado modernas. Mas por que a regulação é importante? O que exatamente é regulação? É possível definir a essência platônica da regulação, ou ela é um conceito questionável com contornos um tanto embaçados? Os principais temas nas agendas contemporâneas da reforma regulatória estão baseados em uma receita coerente?
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Na década de 1980, quando surgiu a última onda de reforma regulatória, uma das imagens preferidas de regulação era a de um substituto para o mercado. Depois de cumprir a tarefa de transformar os mercados monopolísticos em indústrias de serviços públicos (telecomunicações, eletricidade, água etc.), a regulação e suas instituições murchariam gradualmente, dando lugar às forças de mercado tidas como eficientes.
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Pelo menos quatro desenvolvimentos apontam para a permanência da regulação como um aspecto essencial das economias de mercado contemporâneas.
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[...] A sobrevivência da regulação (e das agências reguladoras) não é necessariamente causada pelo comportamento autocentrado das agências reguladoras e das burocracias governamentais, ansiosas por se manterem no negócio da regulação. Ao contrário, a atividade regulatória provou ser essencial para o funcionamento dos mercados. Isso está relacionado com aquelas áreas nas quais as assimetrias de informação (uma das razões clássicas que justificam a regulação) são particularmente grandes, a saber: áreas de saúde, de segurança, segurança alimentar e outras semelhantes.
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[...] a regulação é importante para o crescimento econômico, em geral, e para o desenvolvimento, em particular.
[...] encontrar o regime regulatório apropriado à luz de determinadas características institucionais histórico-políticas é crucial para garantir um nível ótimo de investimento privado. Eles argumentam que investidores privados, necessários para o desenvolvimento de infraestrutura crítica diante das restrições orçamentárias nacionais, vivem com medo de ser expropriados por atividades regulatórias discricionárias. A vulnerabilidade é maior no caso das indústrias de infraestrutura, onde o investimento inicial em redes afunda inerentemente. Quem investe em tais ativos fixos fica exposto ao longo do tempo a mudanças nas preferências regulatórias e políticas.
[...] As agências reguladoras não são uma boa receita para garantir investidores privados em jurisdições nas quais a legislação que as estabelece pode mudar a qualquer momento; a contratação e a demissão dos seus quadros estão nas mãos de políticos; e o provimento de recursos é inseguro. Ao contrário, em tais contextos, as licenças, fiscalizadas em ambientes internacionais, são frequentemente a solução mais confiável.
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[...] a regulação também é importante porque impõe um custo e cria incentivos perversos. Uma das contribuições acadêmicas padrão, no debate público, é apresentar amostras de boas intenções que levaram ao inferno da política pública. Por exemplo, alega-se que a exigência do cinto de segurança aumenta as velocidades médias nas estradas, redistribuindo assim os riscos de dentro para fora dos veículos.
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A regulação também impõe custos consideráveis. Esses custos aplicam-se não apenas às organizações que elaboram, fiscalizam e monitoram as regras, mas também aos regulados. Assim, o termo ‘custo de conformidade’ para as partes reguladas passou a ter destaque no debate da política pública, começando na década de 1970 nos Estados Unidos com análises de custo-benefício e subsequentemente passou para os países europeus, na forma de avaliações de impacto regulatório e de modelos de custo-padrão. A regulação é importante e a forma como a regulação é projetada e operada também. Mas o que exatamente é regulação e que tipos de debate estão envolvidos?
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A coleta de informações também é fundamental para o regime regulatório monitorar o ‘estado do mundo’. Um sistema de condicionamento de ar necessita de um sensor que verifique a temperatura atual no ambiente e todo verificador da qualidade do ar precisa de instrumentos para avaliar a qualidade do ar em várias localidades. A coleta de informação pode ser empreendida por um leque de instrumentos e dispositivos, como relatórios e inspeções diretas.
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[...] a regulação é baseada na interação e na interdependência de três componentes: estabelecimento de padrões, coleta de informação e modificação de comportamento. O modo como esses três componentes são projetados e operados, isoladamente e em conjunto, e por quem, além de suas finalidades, são questões para discussão. Existem múltiplos pontos de vista e não há nenhuma prova científica conclusiva para sugerir que uma determinada forma de pensar e praticar a regulação seja inerentemente e uniformemente melhor do que outra [...]
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As agências reguladoras são vistas como um dispositivo que permite resolver o problema da inconsistência temporal, ou seja, das alterações nas políticas públicas provocadas pelas mudanças nas preferências políticas, ao longo do tempo. Conforme já mencionado, esse problema é particularmente proeminente na regulação. Os investidores querem ter garantia da estabilidade das atividades regulatórias (‘sem surpresas’) e procuram mecanismos para se prevenir das mudanças nas preferências políticas e regulatórias.
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[...] os debates a respeito das agências reguladoras vão além do seu desenho adequado e seu lugar dentro do regime regulatório. Sem a intenção de fornecer uma lista exaustiva de pontos, destacamos brevemente três termos-chave frequentemente empregados nos debates, mas não examinados: independência, coordenação e politização.
A independência é tida amplamente como um atributo essencial das agências reguladoras, porque é esse status jurídico que, supostamente, garante o grau de autonomia política. Ao mesmo tempo, como enfatiza a literatura tradicional sobre regulação, a independência no mundo da indústria regulada nem sempre pode ser garantida [...].
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A coordenação, assim como a independência, é vista como algo bom. Todos querem que unidades organizacionais funcionem em harmonia. Entretanto, para alguns, a coordenação é inerentemente relacionada ao controle. A chamada por mais coordenação no contexto da regulação geralmente é associada à fragmentação das autoridades regulatórias em vários setores e indústrias.
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Ao contrário da independência e da coordenação, a politização é largamente considerada algo ruim. Mas o que é a politização? Poderia significar que os políticos gostam de delegar tarefas aos órgãos regulatórios, seja pelo valor simbólico, no sentido de serem vistos fazendo algo, seja para deslocar a responsabilidade por medidas impopulares, politizando as agências reguladoras ao expô-las a tarefas altamente políticas.
É improvável que a estabilidade das agências reguladoras seja alcançável.
Em contraste, nossa visão do enraizamento da regulação de alta qualidade defende a consciência e a necessidade de debate sobre limites. Antes de retornar a esse ponto na conclusão, iremos explorar a agenda da regulação melhorada que, assim como as agências reguladoras, é amplamente vista como essencial para a regulação de alta qualidade.
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Os defensores da agenda da regulação melhorada dizem que a adoção dessas ferramentas, se introduzidas no governo como um todo, aumentarão significativamente a capacidade de realizar regulação de alta qualidade, assim contribuindo para o progresso econômico e social. Esse aumento de capacidade resultaria, por exemplo, da melhoria da base de evidência, que oferece suporte ao estabelecimento de padrões, e da natureza mais focada das atividades de fiscalização.
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A regulação baseada em risco também leva em conta a receptividade das empresas reguladas às recomendações. As abordagens de conformidade à modificação de comportamento são aplicadas às empresas que se mostram responsivas às medidas regulatórias leves. Já as abordagens repressivas e duras são aplicadas àquelas que resistem às medidas mais leves baseadas em conformidade. Apesar de todo o excesso dos reguladores, políticos e acadêmicos britânicos, essa hibridização supostamente inteligente de táticas regulatórias provou ser altamente problemática.
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Os sistemas da regulação baseada em risco são ricos em informação, no sentido de que contam com a coleta e a análise detalhada, sistemática e periódica de informações das empresas reguladas. Fazendo isso, contradizem a bandeira do corte de burocracia e redução dos custos de conformidade, um objetivo que vem dominando a agenda da regulação melhorada na Europa, nos últimos 15 anos [...].
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As abordagens da regulação melhorada e inteligente para lidar com questões regulatórias espinhosas não apresentam exemplos de boas práticas capazes de liberar os formuladores de política de desenhar sistemas que se encaixem no contexto político, institucional e cultural. Além disso, tais combinações engenhosas não são à prova de falhas, nem conseguirão eliminar os questionamentos e conflitos que se materializam nas decisões sobre padrões e modalidades de fiscalização.
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A regulação de alta qualidade, quando vista através dos olhos do enraizamento, não trata apenas de incluir as pessoas certas e acertar os detalhes legislativos (apesar de isso ser importante). Também envolve criar o tipo de reconhecimento mútuo entre as partes que facilite discussões não só informadas, mas controversas [...].
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